O Brasil está prestes a passar por uma das maiores transformações no sistema tributário. Com a promessa de simplificar a tributação, reduzir distorções e aumentar a transparência, a reforma tributária traz consigo um impacto que vai muito além das alíquotas e bases de cálculo. Neste sentido, um ponto que ainda tem sido pouco debatido é o efeito dessas mudanças nos contratos privados, especialmente aqueles de longa duração.
Muitos empresários, compreensivelmente, concentram-se nos efeitos imediatos da reforma: o impacto no fluxo de caixa, as novas regras de recolhimento e as eventuais alterações na carga tributária. No entanto, poucos perceberam que os contratos já firmados podem se tornar um problema se não forem revisados com atenção. Isso porque a legislação prevê ajustes específicos para contratos administrativos, mas os contratos privados ficam à mercê das regras já existentes do Direito Privado. O artigo 373 da nova legislação (Lei Complementar nº 214/25) deixa claro que contratos privados não terão mecanismos automáticos de mudanças, tornando essencial que as partes se resguardem contratualmente.
Esse detalhe coloca uma grande responsabilidade sobre os ombros dos empresários. A segurança jurídica de contratos de fornecimento, locação, franquia e parcerias estratégicas pode ser comprometida se não houver previsão para reajustes decorrentes de mudanças tributárias. E, como se sabe, uma brecha contratual pode gerar litígios demorados e prejuízos significativos.
Contratos de longa duração são particularmente vulneráveis. Um acordo firmado antes da reforma pode, de um dia para o outro, tornar-se mais caro ou até inviável para uma das partes. O que antes era equilibrado pode, com uma nova tributação, resultar em perdas substanciais. Diante desse cenário, a preparação é essencial para evitar surpresas.
O primeiro passo é revisar contratos vigentes para identificar possíveis riscos. Caso não haja previsão para ajustes em caso de mudanças legislativas, é recomendável iniciar negociações para incluir uma cláusula de change in law – ou alteração da lei, em tradução livre. Essa cláusula permite renegociar os termos do contrato caso uma alteração legal impacte significativamente as condições.
Outra proteção essencial é a cláusula de hardship ou revisão econômica, que assegura reequilíbrio financeiro caso a execução do contrato se torne excessivamente onerosa para uma das partes. Essa previsão é comum em contratos de longo prazo, mas nem sempre é formulada considerando mudanças tributárias drásticas. Além disso, a escolha do método de resolução de disputas pode definir a rapidez e a eficácia de eventuais renegociações. Mecanismos como arbitragem e mediação são alternativas às vias judiciais tradicionais, oferecendo soluções mais céleres e especializadas para conflitos contratuais.
A impossibilidade de transferência da obrigação tributária para terceiros, conforme o artigo 123 do CTN, continua sendo um ponto essencial. Atualmente, convenções particulares sobre responsabilidade tributária não podem ser opostas à Fazenda Pública. Ou seja, mesmo que um contrato privado preveja o repasse de tributos, isso não altera a obrigação perante o fisco. Com a LC 214, o repasse da carga tributária passa a ser permitido em contratos administrativos, mas não há previsão expressa para contratos privados – o que reforça a necessidade de cláusulas bem estruturadas, a fim de evitar que a nova carga tributária recaia inesperadamente sobre uma das partes, causando desequilíbrio financeiro.
Diante desse cenário, preparar-se para a reforma tributária não é apenas uma recomendação, mas uma necessidade estratégica. Empresas que revisam documentos, ajustam cláusulas e se antecipam às mudanças terão maior segurança jurídica e competitividade no mercado. Mais do que uma necessidade, proteger contratos privados contra incertezas tributárias é uma estratégia de sobrevivência e crescimento.
*Bruna Puga é empresária e advogada, sócia do escritório BP/F Law, especializada em Direito Empresarial. Com mais de 10 anos de experiência, assessora empresas em reestruturação societária e transações contratuais de média e alta complexidade.
Fonte: Assessoria de Imprensa
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