A desaceleração da alta do custo da construção civil observada em 2022, depois da disparada de 2021, deve se repetir este ano, apontam especialistas. No ano passado, a grande mudança foi no perfil dessa inflação: se o destaque em 2021 foi no custo do material, o que mais puxou essa alta em 2022 foi a mão de obra, pressionada pelos dissídios. Ao longo do ano passado, a desorganização das cadeias globais de matérias-primas gerada pela pandemia começou a se atenuar, diminuindo a alta dos preços do material.
“Em 2022, a gente já observou desaceleração expressiva da alta de material, e a mão de obra acabou puxando os preços. Para 2023, o cenário é desaceleração de ambos os componentes”, afirma o economista da Tendências Consultoria Matheus Ferreira.
Principal referência para os custos do setor, o Índice Nacional de Custo da Construção (INCC) – do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) – disparou de 8,81% em 2020 para 13,84% em 2021. Em 2022, a alta desacelerou para 9,27%.
Na passagem de 2021 para 2022, a inflação de mão de obra no setor quase dobrou (de 6,84% para 11,94%), considerando este componente dentro do INCC. Em contrapartida, a inflação de material, equipamentos e serviços, também como o INCC, encerrou o ano passado com alta de 6,79%, ante aumento de 21,28% em 2021.
O desempenho reflete uma mudança de dinâmica de preços, no setor, em 2022, explica o economista do FGV Ibre André Braz. Desde início da pandemia, lembra ele, os empreendedores da construção civil sofreram com inflação mais elevada e persistente de materiais. Isso porque, com a pandemia, ocorreu uma desorganização das cadeias globais de matérias primas, o que gerou gargalos no fornecimento de itens de relevância no setor, principalmente commodities metálicas.
Em 2022, ocorreu normalização maior de atividades, devido ao arrefecimento da gravidade da pandemia. Os preços do material continuam com alta, mas não tanto quanto no passado. Por outro lado, afirma Braz, o maior ritmo de lançamentos em mercado imobiliário ajudou a elevar cadência de abertura de vagas no setor, cujos dissídios salariais também foram puxados pela inflação.
Matheus Ferreira afirma que que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) mais baixo em 2022 (5,79%, ante 10,06% em 2021) reduz a pressão para os dissídios em 2023. “Os dissídios devem pressionar menos neste ano, embora a gente vá ter alguma influência do reajuste do salário mínimo. Já no caso de material, devem se manter fatores que contribuíram para essa alta menor de preços em 2022, principalmente a questão da queda na demanda”, aponta o economista.
A projeção dele é de uma alta de 5,1% do INCC em 2023, ante 9,27% em 2022 e 13,84% em 2021. A alta de preços de mão de obra deve ficar em 7,6%, e o aumento de material, em 2,6%.
As projeções de alta menor dos preços da construção dão ânimo para construtoras, que veem chance de retomar margens de lucros observadas antes desse período recente. Essa é a expectativa na BRZ Empreendimentos e Construções, que atua em 24 cidades de porte médio nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
“A gente acredita que 2023 vai ser um ano de voltar a recuperar margem, depois das perdas de 2021 e 2022”, diz o diretor financeiro da empresa, Guilherme Dias. Quando os preços começaram a disparar em 2021, diz, foi possível repassar apenas parte da alta dos custos, para os imóveis de lançamentos em curso que ainda não tinham sido lançados. Como são ciclos mais longos, pondera, não se consegue acomodar tudo da alta da inflação.
Isso afetou a margem das empresas, que tiveram que lidar também com alta de custo de material – além de falta dos produtos – e, mais recentemente, com a pressão em mão de obra, tanto em aumento de custo quanto de falta de profissionais.
Para lidar com a situação, afirma Dias, a BRZ passou a privilegiar lançamentos em cidades com a população com maior poder aquisitivo, para venda de imóveis com maior preço médio: “Com base nesse mix de lançamentos, a gente melhora o resultado sem afetar o consumidor”.
Para André Braz, a evolução do Produto Interno Bruto (PIB) vai nortear preços na construção esse ano. Como tudo indica desaceleração de atividade econômica, diz ele, essa cadência menor na economia vai determinar preço de insumo e de mão de obra.
Na prática, ele vê uma espécie de “queda de braço” nos preços do setor entre dois fatores: economia mais fraca e construção civil mais aquecida. Caso o PIB não avance tanto neste ano, isso representaria menor ritmo de consumo – e também demanda reduzida voltada para construção.
Coordenadora de Projetos da Construção no Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), Ana Castelo diz que a palavra para definir a evolução de preços em 2023 no setor é “incerteza”. A Sondagem da Construção, da FGV, trouxe percepção de negócios futuros mais pessimista, ao término do quarto trimestre, por parte do empresariado do setor – cujas respostas são usadas para elaboração do levantamento.
Questionada se isso poderia influenciar preços para baixo, diz acreditar que a demanda deve se manter em patamar razoavelmente elevado. “Se o nível de lançamentos começar a cair muito, poderá ter efeito sim, mas apenas no fim de ano e início de 2024.”
A grande dúvida, segundo ela, é a evolução do valor do material: “Os preços de material estão evoluindo mais próximos da inflação, mas isso pode mudar a qualquer momento”, afirma.
A expectativa da economista da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) Ieda Vasconcelos é que a inflação da construção seja menor em 2023 que nos anos anteriores. Isso não significa necessariamente, no entanto, alívio para os empreendedores do setor, segundo ela. “Esperamos que os custos do setor registrem menor variação. Isso não significa queda nos custos, que permanecem em patamar elevado em razão das fortes altas nos últimos anos.”
Fonte: Valor Econômico
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