Desde que um estudo da McKinsey colocou a construção como o segundo setor mais defasado na adoção tecnológica, muitos representantes do setor questionam a velocidade com que as empresas aderem a inovações. No entanto, para compreender os desafios relacionados ao ganho de produtividade da construção, precisamos nos afastar do cotidiano operacional e olhar para a cadeia como um todo.
Ao observar seu comportamento conseguimos entender que sua digitalização ocorre em ondas, começando pela substituição de processos manuais por digitais e, conforme o amadurecimento, pelo refinamento da gestão das informações com foco em ganhos exponenciais de eficiência. O afastamento é importante para calibrar estratégias, ajustar rotas e adequar a velocidade, pois ser pioneiro pode ser caro e angustiante, mas ser o último da fila costuma ser fatal.
Afinal, um setor que responde por 7% do PIB nacional, repleto de regramentos, legislações regionais, diferentes métodos construtivos, produtos e públicos não transforma a cadeia de uma hora para outra. Por mais esforços e recursos que existam, boa parte do desafio reside na construção de uma cultura consistente de digitalização, inovação e integração. O maior ganho do investimento em tecnologia, no primeiro momento, é inercial, relacionado ao efeito que causa no comportamento e cultura das empresas e que as torna aptas a receber o que vem depois.
Digitalização do modelo atual
Concentrar num sistema minimamente elaborado o que vem sendo feito de forma descentralizada é como trocar um caderno por um tablet, nada além disso. Existem incontáveis possibilidades de fazer isso na construção e podemos até dizer que, em grande parte, os canteiros já estão digitalizados, com a combinação entre WhatsApp e Google Drive como grande plataforma de gestão de projetos hoje.
O uso dessas ferramentas acelera o processo, mas não leva à segunda etapa. Empresas que deram o segundo passo esperam um modelo digital, ordenado, especializado e com visibilidade para o fluxo de informações. É aí que começamos a ver a transformação digital em ondas do setor, com um padrão invariavelmente repetido dentro dos players e no micro ecossistema que rodeia cada um.
O que vemos são escritórios de projetos, tempos atrás, iniciarem o movimento ao trocar pranchetas pelo AutoCAD, seguidos pelos canteiros com, por exemplo, apontamentos feitos em dispositivos digitais padronizados, mas não integrados. Imobiliárias começaram a mudar com a migração dos anúncios para sites e, depois, aplicativos.
A transformação ganha corpo a partir daí, com questionamentos ao arranjo produtivo quando, em parte devido à digitalização das primeiras fases, vícios e distorções ficaram evidentes, como índices de desperdício elevados, prazos estourados e problemas com suprimentos. Nesse ponto o construtor começa a pensar se não há uma forma diferente de fazer as coisas, com menos dependência de fornecedores específicos e capazes de entregar mais valor.
A forma tradicional de gerir empresas de construção começa a ser colocada em xeque, mas – temos que lembrar – o processo é de transformação cultural. Logo, essa talvez seja a onda na qual as empresas passam a maior parte do tempo e o que pode causar a sensação de estagnação tecnológica.
Isso porque é somente depois disso é que o mercado imobiliário começa a testar outros modelos de negócio, como oferta de empreendimentos como serviço, novas formas de captar recursos e comprar e vender imóveis, ofertando o produto associado a uma camada de serviço. Daí, surgem demandas relacionadas a oportunidades de monetização em outras frentes, como gestão do ativo, com investidor de um lado e consumidor do outro.
Extraindo inteligência dos novos processos
Depois da primeira camada de digitalização o gestor mais atento entende que não se trata apenas de aumentar a velocidade de execução e enxerga o potencial de gerar inteligência a partir da combinação de dados, tecnologias, processos e cultura. Isso significa melhorar desempenho técnico e financeiro dos projetos, com impacto no resultado.
Quando o negócio começa a se transformar surge a necessidade de integrar frentes por meio de dados, com a percepção de que a jornada de vendas se relaciona os usos potenciais do produto e à camada de serviços acoplada à operação. Essa visão é endossada por dados como os de pesquisa da CBIC, que mostra que, a cada R$ 1 investido na obra, outros R$ 0,36 são gerados como despesas comuns aos três primeiros anos de uso da edificação.
A partir da integração tecnológica e dos dados, o contexto se torna favorável à organização do ecossistema da construção e o setor passa a conceber outras maneiras de monetizar a cadeia e a criar novas abordagens para o mesmo hardware. Tudo isso depende da integração de dados, sem a qual fica difícil evoluir.
A plataformização endereça justamente essa dor, além de oferecer ao gestor uma gestão menos ruidosa das ferramentas necessárias para resolver os problemas. Fica claro que o sonho de uma solução que resolverá sozinha todos os problemas está, definitivamente, morta. O estado da arte passa a ser reger a orquestra tecnológica que dita o ritmo da empresa.
Plataformas tecnológicas para o próximo passo
Apesar da linha geral de evolução tecnológica da cadeia que traçamos aqui, os acontecimentos se desenrolam de maneira orgânica e, portanto, nem sempre previsível, pois o mercado é heterogêneo, com empresas de portes, capacidades de investimento e focos de atuação diversos. É diferente, por exemplo, do mercado de celulares, em que os concorrentes ficam mais ou menos no mesmo patamar tecnológico, com produtos muito similares entre si.
Nesse sentido, até pela pulverização dos players, a construção se assemelha mais ao varejo. Ao traçar um paralelo entre setores, vemos que o amadurecimento logístico e comercial deste levou à criação de uma base sólida sobre a qual se apoia sua visão de futuro. Com isso, surgem plataformas de integração, que padronizam a maturidade tecnológica e de operação. Empresas como Magalu e Amazon abrem seus marketplaces para players diversos, estabelecendo o padrão de atendimento e garantindo a experiência dos clientes. Isso foi suportado por anos de evolução da cadeia produtiva, de supply e integrações financeiras que hoje proporcionam escala e sofisticação. É uma operação extremamente complexa que se tornou simples a partir da consolidação promovida pela visão de plataforma.
Trazendo essa realidade para a construção, vislumbramos um futuro próximo baseado na democratização do acesso à tecnologia promovido pelas plataformas. Os avanços vão ajudar a aproximar os atores da cadeia e, dessa maneira, acelerar o desenvolvimento de todo o setor. É um caminho sem volta e sem velocidade pré-definida. Sabemos que começou e nosso intuito é provocar uma visão estrutural desse movimento para que, com isso, cada um possa entender onde se encontra ou, quem sabe, criar a sua visão e ajudar a melhorar esse entendimento.
Fabrício Schveitzer – Diretor de Estratégia e Mercado do Sienge e diretor de Habitação e Tecnologia do Sinduscon Florianópolis
Bruno Loturco, coordenador de comunicação estratégica do Sienge
Sobre o Sienge
O Sienge é uma solução de gestão para a indústria da construção. Com quase 30 anos de mercado e mais de 3 mil clientes, o Sienge é voltado para facilitar o cotidiano das construtoras e incorporadoras. Além disso, a empresa disponibiliza ao mercado uma plataforma altamente tecnológica de conteúdo para os mercados da construção civil. Para saber mais, acesse http://www.sienge.com.br
Leia mais
Franquia de aluguel de equipamentos para construção registra faturamento de R$ 320 milhões em 2020
Covid-19: alta transmissibilidade das variantes preocupa construção civil